Carta Capital – O pior cenário para a democracia no Brasil está afastado. Nada seria mais grave que o bolsonarismo se tornar um movimento popular, vinculando-se organicamente aos desejos e aspirações da maioria. Enraizado, como está, nos interesses das elites (que parecem satisfeitas com o que é e o que faz), um casamento duradouro entre os muito pobres e os muito ricos chegou a ser uma hipótese assustadora. Teve, no entanto, vida breve e, hoje, tudo indica que não existe mais.
A volta de pesquisas de opinião capazes de captar os sentimentos da maioria acabou com muitos equívocos. Em vez de forte, ficou clara a fragilidade do ex-capitão, que não passa de um pequeno líder patético. Seu governo é amplamente rejeitado. Não deu certo a tentativa de banir as esquerdas e elas se mantêm com tamanho intocado, apesar dos ataques sofridos. Ninguém sequer se lembra da lorota da “guinada ao centro”, que correu solta depois das eleições municipais.
Mais importantes para o futuro, as novas pesquisas mostram quão grande é a figura de Lula, o que quer dizer que, para a maioria da sociedade, continua a haver um caminho, na democracia, para expressar insatisfações e revolta. Como no passado, ao longo da redemocratização, Lula e o PT continuam a representar a esperança dos mais pobres no processo eleitoral.
Nas pesquisas Datafolha e Vox Populi, Lula tem o dobro das intenções de voto de Bolsonaro, ou até mais, se pensarmos em segundo turno. Em qualquer dimensão comparativa, o ex-presidente lidera com folga. Nos cenários de primeiro turno, a vantagem de Lula, na pesquisa Vox, entre aqueles de baixa renda e escolaridade, é grande, mais que o dobro de Bolsonaro: na escolaridade, 49% a 21%, na renda, 52% a 20%. Algo semelhante ocorre entre mulheres (Lula alcança 43% e Bolsonaro 19%). Também parecido com o que acontece entre jovens (o petista lidera com 46%, ante 21% do capitão) e entre aqueles que se autoclassificam como “pretos” e “pardos” (49% a 21%).
Como se vê, se dependesse somente do povo e se a eleição fosse hoje, Lula venceria com vantagem dilatada, no primeiro turno. Sua dianteira é ampla nos segmentos majoritários, seja em termos demográficos ou socioeconômicos. Mas não apenas neles, pois Lula também lidera nas classes de renda, escolaridade e idade mais elevadas, assim como entre homens e entre aqueles que se definem como “brancos”. E, para decepção do ex-capitão e seus acólitos em algumas igrejas, onde esperavam vantagem relevante, as pesquisas Vox e Datafolha apontam para um empate no público evangélico.
A perspectiva que tínhamos depois da eleição de 2018 não se confirmou. Bolsonaro começou a cair logo no início do governo e permaneceu em queda até o fim de 2019. Do começo da pandemia em diante, ficamos sem conseguir saber o que pensavam os segmentos majoritários e o terreno ficou livre para especulações de todo tipo. Muita gente chegou a achar que a popularidade de Bolsonaro havia sido turbinada pelo auxílio emergencial, revertendo a queda do ano anterior.
As pesquisas atuais revelam, no entanto, que, se funcionou por algum tempo, o imenso dispêndio no auxílio foi inútil para Bolsonaro. O tímido crescimento da aprovação, sugerido por pesquisas telefônicas feitas em 2020, se desfez. Gastou 400 bilhões de reais para obter o apoio do povo e é hoje majoritariamente rejeitado por ele.
O panorama eleitoral só fica melhor para o ex-capitão se ficar pior para Lula. O problema é que não há nada que possa ser dito contra o ex-presidente que não tenha sido usado. Ou alguém imagina que o reaquecimento de velhas acusações, agora, finalmente, produziria consequências? Alguém acredita que um neolavajatismo teria credibilidade, depois da desmoralização dos curitibanos?
Do outro lado, Bolsonaro continua à frente de um governo calamitoso, aprovado, em seu conjunto, por cerca de 20% da população e por 15% ou menos em quase todas as áreas, tomadas isoladamente. Para a maioria dos brasileiros, seu fracasso no enfrentamento da pandemia é a prova mais dolorosa de sua inaptidão e incapacidade. A culpa de Bolsonaro está formada. Quem apostar na recuperação da economia, que não se esqueça: os sinais de melhora são para os rendimentos dos ricos. Nada indica que, para as famílias pobres, teremos, de agora à eleição, aumento de renda, maior acesso ao consumo, expansão do emprego e ampliação da cobertura de políticas públicas de qualidade, em escala minimamente relevante.
É até possível dizer que Lula ainda não ganhou a eleição, pois, em um país como o Brasil, sempre pode haver alguma maracutaia. Mas é certo que Bolsonaro perdeu. Só resta a ele e aos amigos o recurso de colocar uma bomba na democracia.